quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Quem é, refletida no espelho?

Hoje me deparei com uma situação inusitada, recebi a notícia de uma conquista realizada por um ex-colega, conquista essa que eu desejava alcançar. Primeiro pensei “que bom, felicidades caro colega”. Depois o meu eu mais profundo e encravado submergiu.
Não foi um desses acessos de raiva, em que se esmurra tudo. Não, foi um sentimento de fracasso, de inutilidade, de ter tentado e não ter conseguido.
Por que ele? Por que não eu? O que há de errado comigo? Descobri, depois, que nada. Mas naquele momento as lágrimas de tristeza rolavam por minha face. O pior é que eu sabia que não deveria estar me sentindo assim tão frustrada. Deveria estar feliz por ele. Assim, dita a moral e os bons costumes, mas a moral nada tem a ver com superação, nem os bons costumes com a não aceitação da perda.
Um misto de sentimentos confusos e inapropriados brotou aos borbotões de meu coração. Em meio aquele torvelinho de emoções, tentei me encontrar e não me achei. Aquela que ali, em frente ao computador, despejava sua angústia não era eu. Ou era e eu não sabia? Descobri, em meio à dor, que meu eu estava soterrado debaixo de falsidades e máscaras de bondade e altruísmo.
Como é difícil essa descoberta. Tirar os escombros de sobre uma alma que tem vivido sempre na busca de perfeição, que se auto-avalia com a presteza das melhores empresas de controle de qualidade, de quem não aceita um “não”, não aceita perder, não aceita a relegação. Minha alma sofre por não saber quem, verdadeiramente, é.
Todas essas palavras parecem desabafo de quem está em uma terrível crise de identidade. Não estou, ou melhor, não estava. Até então, tudo no mais absoluto controle. Estudando, trabalhando, indo às festas, rindo à toa. Mas a notícia de que outro tinha conseguido algo que eu almejei com tanta força, pelo qual lutei tanto, me dediquei tanto, me fez desabar. Caí do décimo andar de meu respeitado estilo de ser superior.
Minha mente ficou turva. Meu pensamento embruteceu. Nada mais me pareceu tão ilógico quanto essa nova situação, da qual não tenho recordação de ter vivido pior. Problemas? Óbvio que já os tive, quem não tem. Mas um que, pequeno na realidade, tornou-se meu gigante, não.
Pois o pior da situação, nova e avassaladora, foi me deparar com uma menina mimada, acostumada a ter tudo, a não ser passada para trás, a não receber nãos. Foi como olhar através de um espelho um pirulito sendo arrancado das mãos de uma criança. Não é nenhum bicho de sete cabeças, a tal da conquista, posso conseguir no próximo ano, mas o fato de outro ter chegado “lá” me detonou.
E o novo ser, que antes adormecido em meu interior, agora sobrepujou o racional, ultrapassou os limites do politicamente correto, extrapolou qualquer regra da boa conduta, e me arrasou. Conheci, então, verdades que nunca antes me desafiaram. Que sou humana, ah, sim, e cheia de falhas. Que o fato de me considerar melhor pessoa não é uma garantia de que realmente eu seja. De que é fácil sermos bons, caridosos e educados quando tudo está dando certo, mas nosso demônio interior dá as caras quando as coisas não saem da maneira como desejávamos.
Esse demônio faz você perceber que não é tão bom quanto parece, que você é fraco, suscetível às tentações e falhas, que você não passa de um verme. Forte isso, não? Mas é a verdade, lá no fundo, quando não temos nosso ego massageado, os muros da polidez ameaçam ruir. O que nos resta, após o terremoto da descoberta do verdadeiro, real e não ilusório eu, é uma alma aflita, perdida, que olha para todos os lados e não encontra onde se apoiar para não cair de vez.
São sentimentos inexplicáveis, esses, de revolta e fracasso. Mas o bom nisso tudo, pois sempre há um lado bom da história, é sabermos que há, sim, um lugar para esse ser humano real e cheio de contradições. Há um lugar de calma, onde podemos deitar a cabeça e nos deixar levar por uma grande sensação de paz e certeza de que, no final, tudo dará certo.
Ali, encontramos refúgio quando as ondas se encapelam, direção quando o barco está à deriva, amor, quando nós próprios nos odiamos, verdade, quando no mundo parecem só esperar que mintamos, rosto aberto e franco, quando fora só podemos sair usando máscaras.
Nos braços do Pai, no seu colo, posso ser eu, posso chorar amargamente uma derrota, posso contar que estou me sentindo perdida e subumana, posso deixar as lágrimas rolarem a vontade e não me envergonhar de ser covarde. Porque o Pai ama sem hesitação, nem condições, porque Ele aceita quem realmente somos, lá no íntimo, na obscuridade. Ele perdoa se erramos, ele abraça e consola, e nos dá de presente um espelho mágico que reflete nada mais que Sua criação.
Se Ele me aceita como sou, por que minha aflição, por que o desespero diante de uma atitude egoísta e mesquinha? Ao me deparar com a mulher dentro de mim, me assustei, o caminho será longo, só espero que o Pai não se importe em conduzi-la pela mão e, às vezes, levá-la no colo.

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