quarta-feira, 26 de outubro de 2005

Cartas não olham nos olhos


Há muito que ouço dizer que a palavra tem poder. Muitas vezes esse tipo de expressão é utilizado em referencia à Bíblia, porém tenho descoberto que qualquer palavra tem poder, desde que acrescida de alguns detalhes. Digo isso porque ultimamente eu e minha irmã, a do meio, sendo eu a mais velha, temos nos correspondido.
Pode até ser meio careta, antiquado, bizarro mesmo, visto que moramos na mesma cidade, nos vemos com certa freqüência, e além do mais podemos sair juntas a qualquer momento. Mas perece que os anos frearam nossa capacidade de comunicação verbal. Quando a gente é criança a coisa mais fácil é falar, ficar cochichando a noite no quarto às escuras, ler gibi juntas à luz de um testador de pilhas embaixo das cobertas, dar risada quando não deve e outros desses momentos puramente infantis, inocentes e tagarelas. Mas como eu disse, a gente vai perdendo a prática.
Quando se é criança se tem tempo para tudo, porque não se tem que cuidar da casa, nem cozinhar no horário, nem trabalhar, nem lavar roupa, ou cuidar de filhos, nem nossos e nem dos outros. Quando a gente é criança tudo é festa, menos acordar cedo e ir pra escola (lembra, que chatice?). Já agora, depois de quinze anos mais ou menos, nem visitar a irmã para um bate papo não dá tempo. O remédio? Escrever cartas.
Lembro de uma música do grupo Roupa Nova, que estava sumidinho e andou ressuscitando de uns tempos pra cá, que “cartas não olham nos olhos, é bem mais fácil escrever; dentro de cada palavra vai um pouquinho do meu coração”. Talvez seja por isso que as cartas têm se tornado uma ótima opção para a comunicação entre irmãs. Talvez a falta de tempo não passe de uma desculpa, escabrosa e esfarrapada, para a gente não se falar além daquele papinho de “oi, tudo bom, como é que vai”. Você sabe, mulheres gostam de mostrar que estão no controle de tudo, inclusive de suas emoções, então a falta de tempo cobre o medo da rejeição. De se ter a estilo de vida adotado rejeitado, de ter as idéias rejeitadas, de ter o eu rejeitado. É um medo de rejeição infinita. Então, ou a gente finge o tempo todo, ou não tem tempo mesmo. Optei pelo segundo, porque fingir não é do meu feitio.
Só, que chega uma hora em que bate a saudade do compartilhar de várias coisas com sinceridade; sem inveja, mas com cumplicidade; sem julgamento, mas compreensão (mana, eu sei que estou te plagiando, não leva a mal). Então, a gente, ainda não preparada para encarar a verdade, que ta morrendo de medo da opinião do outro, acaba escrevendo. E como eu disse no inicio, a palavra tem poder. A nossa troca de correspondência ainda é bem tímida, não passa de duas, três páginas por carta, mas já não agüento esperar pela resposta. Acredito que uma mudança, sutil é verdade, mas mudança assim mesmo, está acontecendo. Logo, logo marco um horário só para nós tagarelarmos à vontade, sem culpa, remorso ou medo. E, também, sem se preocupar muito com o formalismo.
Uma das coisas mais bonitas que ela me escreveu recentemente é que nesses anos todos, seu diário continuou a ser escrito e meu nome nunca deixou de ser mencionado. Bem, eu não escrevo diário há muito tempo, mas o nome dela e de todos os que amo continuaram a serem escritos, porém em meu coração, e dele jamais serão apagados. A palavra tem mesmo poder, de transformar o medo em um sentimento de doce aceitação.
Agora só falta arranjar um tempinho para pôr o papo em dia.


Por Ane Patrícia de Mira
Em 10/ 08/ 2005, às 3:00 h.

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