terça-feira, 25 de outubro de 2005

Termpo parado no tempo


A pouco, escutei as risadas das crianças que brincam com rolimã lá na rua. Enquanto eu, perdida em pensamentos mil, olhava pela janela sem enxergar, elas se divertiam. Olhei para o céu e vi tudo tão cinza, tão nublado. Como elas poderiam estar brincando tão felizes com um tempo assim? Afinal de contas, é inverno, frio, dias curtos e noites intermináveis, ao menos para mim.
Realmente, há momentos em que o inverno não está lá fora, no tempo, na estação do sul, mas aqui dentro, em meu interior. São dias em que o gris se apodera de tudo. Então, mesmo saindo de casa, tudo parece igual. Olho para meu lar e o vejo tão triste, tão nebuloso. As janelas semi-abertas, as cortinas que não esvoaçam com o vento, o carro na garagem, parado, hibernando. Até as azaléias se fecharam e meu pé de primavera faz força para florescer. Minha cachorra dorme encostada na porta da cozinha e minhas floreiras a muito que não têm mais flores.
Resolvo entrar, talvez me agasalhar no quarto, puxar os cobertores e ler. Mas a louça na pia espera por quem a lave. Venço meus medos e enfrento a água gelada. Em pouco tempo limpo tudo e estou novamente pronta para me encolher e terminar o Fogo Morto, título que vem bem a calhar. Mas minha jibóia que está encima da geladeira reclama por água. A sirvo abundantemente. Então, me lembro de meu lírio da paz que também murcha no banheiro, adoro plantas no banheiro. Vou até lá e lhe encho da mais cristalina água. Meu lírio está feliz, posso até vê-lo sorrir.
Finalmente vou para o quarto. Encima da cama, meu cachorrinho de pelúcia também quer um abraço. Não lhe nego. Abraço-o com muita força, como se ele pudesse me aquecer e não obtendo uma resposta satisfatória atiro-o dentro do guarda-roupa. Olho para minha caminha, esperando ansiosamente por mim. Atiro-me sem culpa e ao buscar meu livro, percebo que não era bem isso o que eu quero mesmo fazer. Levanto-me e olho pela janela. Não vejo nada, pois os olhos de minha alma estão bem longe, quase dez anos atrás, quando eu ainda ria com minhas irmãs em uma noite fria, no escuro da sala, assistindo um filme de suspense, Dormindo com o inimigo, e lutando com todas as forças para não gritarmos porque nossos pais já estavam dormindo. E aquele chiiu de meu pai, mandando-nos ficar quietas era realmente assustador.
Era um tempinho bom. Acabo por gargalhar sozinha me recordando de nossos momentos. Momentos únicos de nós três. Nessa hora ouço aquela risada tão familiar, risada de crianças, de meninas que brincam. Voltei a 2005, e olhando para o céu gris penso em como elas podem estar se divertindo com esse frio. Meninas que brincam de rolimã, riscando toda a rua e incomodando os vizinhos que querem dormir, ou ler, ou voltar no tempo, há dez anos atrás, mais ou menos. Sinceramente, não acho graça nenhuma no rolimã. Uma senta e as outras duas empurram. Sim, são três meninas, como nós éramos três assistindo filme de suspense e prendendo o grito na garganta.
Com a cena acabo saindo do quarto. Vou até a cozinha e idealizo um encontro de nós três para vermos um filme de suspense. Em companhia do medo é uma ótima pedida. À noite fico sozinha e seria uma ótima idéia. Um DVD, pipoca, cobertor e só nós três, sem maridos, sem filhos, sem preocupações com o daqui a meia hora. O tempo parado no tempo. Nós rindo sem nos preocuparmos com o grito que não pode ser dado. Rindo e gritando a vontade. Três meninas se divertindo tarde da noite e os vizinhos que querem dormir, ou ler, ou voltar no tempo, há dez anos atrás, mais ou menos, que se danem.


Por Ane Patrícia de Mira
Em 26/07/2005, às 16:05 hs.

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