quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

Sem conexão, graças a Deus

Hoje, especialmente, estou me sentindo mais só. Já passa da meia-noite, meus pais acabaram de ir embora (pois haviam me feito uma visita) e eu fui direto para o computador. Tentei fazer minha conexão com a internet e nada. Estou sem linha telefônica. Não, não esqueci de pagar a conta, não a atrasei, sem motivo aparente meu telefone está mudo. E muda me encontro frente a esta tela (não de plasma, que não tenho dinheiro para tanto, ainda). Onde estão meus amigos virtuais? Será que me deixaram muitos recados no Orkut? Quantos e-mails haverá na minha caixa de entrada?
Sei que para alguns, isso pode estar soando ridículo, mas muitos, que passam horas da madrugada on line, estão sofrendo terrivelmente comigo, porque sabem o quanto implica estar sem contato com o mundo da net.
É quase como estar sem olhos, sem boca e sem ouvidos, não literalmente, claro. As mãos, nossas amigas que teclam rapidamente mensagens cheias de otimismo, sarcasmo ou riso, sentem-se um tanto quanto inúteis. O cérebro não sabe bem o que deve pensar, e o corpo fica perdido dentro da própria casa. Não há muito sentido ficar sem sono, sozinha, há essas horas, sem internet.
Ou há?
Bom, não estou de todo parada, não é mesmo. Resolvi aproveitar a questão e escrever sobre isso, sobre esses pensamentos malucos de uma internauta quase viciada, que entra na rede todas as madrugadas, inclusive sábados, domingos e feriados. E como eu não escrevia há uns dias, isso está sendo muito proveitoso. Também vou aproveitar e ler um pouco, estudar, organizar as idéias e fazer alguns planejamentos que estão sendo adiados desde o ano passado. Vou pegar minha caneta bic (ainda tenho uma em casa, para emergências) e fazer listas, listas de amigos, listas de aniversários, listas de listas, o que for. Talvez ligue a tv, o que não me agrada muito quando não há um bom filme. Talvez ouça música, música de verdade, nada de bips ou sua conexão foi realizada com sucesso, tem mensagem pra você. Posso também sentar na minha cadeira de balanço, a meia-luz, e ficar simplesmente ouvindo o barulho da chuva. Está chovendo! Cada gota batendo na vidraça me traz a certeza de que a natureza tem muito mais a me oferecer do que meu micro em conexão com um mundo um tanto irreal, que posso ler, posso ouvir, mas não tocar. Posso ver fotos da China, mas jamais saberei como é sensação de caminhar sobre a Grande Muralha, posso ver o azul do mar do caribe, mas jamais sentirei o calor de sua temperatura (dizem que é morno), posso encontrar minha casa via satélite por um programa on line, mas talvez eu nunca venha saber o quanto a vida é realmente feliz dentro dela. Nunca saberei ou saberei se resolver arrumar as malas e viajar sem rumo, se olhar ao meu redor e ver tudo que possuo de bom.
E só vou fazer tudo isso se minha linha continuar muda, se meu computador continuar off line, para que minha vida realmente se conecte com o mundo real, para que minhas potencialidades, minha criatividade e meu eu carne e osso possa constatar que a Muralha da China é grandiosa, que o mar do Caribe, além de ser morno, é encantado e que minha casa é mesmo um lar, com chuva na janela, cadeira de balanço, música clássica e muitos livros pedindo para serem lidos nestas férias. Que minha cachorrinha quer uns abraços, que minha família quer umas visitas e que mandar uma carta pelo correio ainda é um ato de elegância e bom gosto e deixa as pessoas mais felizes do que se receberem apenas e-mails.
Nossa geração precisa desesperadamente reencontrar-se nesse meio que prega as informações em tempo real porque a vida real é muito mais do que a tela pode nos mostrar.
Nossa, e escrevi e pensei e senti tudo isso porque meu telefone emudeceu misteriosamente, ou não será tão misteriosamente assim?

2 comentários:

Anônimo disse...

Bem o que dizer desses pensamentos, que querendo ou não tbm paseam na minha cabeça ou de outras pessoas e que muitas delas nem percebem ou nem ligam. Como vai ser o mundo daqui alguns anos?
Imagina ficar sem conexão enquanto a tecnologia vai avançando cada vez mais!
Ôpa acho que me empolguei lendo as crônicas de Ane de Mira. Hahahaha...muito bom seus pensamentos.

Levi Nauter disse...

Oi, Ane!

Boa reflexão, com uma mistura aparente de ficção. Bem ao estilo de dois grandes pensadores exatamente do mesmo assunto: João-Francisco Duarte Junior, com seu O Sentido dos Sentidos, e Michel Maffesoli com seu Elogio da Razão Sensível. Muito bom.
Essa criticidade é sempre salutar e necessária.
Guardados os contextos, também lembrei de TS Eliot: "A televisão é um veículo de diversão que permite a milhões de pessoas ouvir a mesma piada ao mesmo tempo e, ainda assim, continuar solitárias".
Contudo, parece-me que o cristão e grande educador Paulo Freire dá a linha tênue do nosso agir ante a tecnologia: nem divinizar, nem demonizar.

Continue,

Levi Nauter