sábado, 23 de agosto de 2008

Comentando a Revista Veja de 20/08/2008


Esta semana, a Revista Veja, da editora Abril, publicou uma matéria de capa analisando o atual sistema brasileiro. Eu nem sabia da tal reportagem, até que escutei colegas exaltados comentado-a nas duas escolas em que trabalho. O Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul (Sinpro) publicou uma nota repudiando a matéria e, principalmente, a falta de ética para com colegas professores que tiveram seus nomes publicados, bem como os das instituições em que trabalham. Fiquei curiosa. Depois de almoçar, fui direto à banca e comprei a revista.
Durante a tarde, li como quem já se prepara para uma bomba. Realmente, as palavras são fortes, o quadro da educação brasileira é apresentado como o pior do mundo, a reportagem critica as práticas docentes, bem como menospreza nomes como o do educador Paulo Freire e de Che Guevara. Enaltece o sistema capitalista como gerador de renda e melhores condições de vida para a população. Faz uma análise negativa dos livros didáticos mais utilizados nas escolas, aponta determinados professores, informando seus nomes e as escolas em que trabalham, como manipuladores e doutrinadores de esquerda. Descontextualiza totalmente o ensino público e privado, com alegações as mais esdrúxulas.
No início da leitura, até que me senti um tanto quanto ultrajada, mas parando um pouco para pensar, deixando a sombra da ofensa de lado, nem tudo é tão mesquinho e mentiroso na matéria.
Como educadora, minha preocupação é com a formação social, cidadã de meu aluno, mas também intelectual e cultural. Porém, o que muitas vezes fazemos é nos apegarmos à idéia simplista de que falando-lhes das intenções da elite, possamos efetivamente incutir-lhes conhecimentos suficientes para vencerem na vida no que diz respeito aos desafios mercadológicos e profissionais e não deixarem-se enredar por qualquer ideologia difundida pelo sistema.
Não, não sou a favor da idéia de que haja educação neutra. Toda escolha é política. Se priorizo um conteúdo em detrimento de outro há valores intrínsecos que me impelem a essa escolha. Posso ser apenas conteudista e preocupada em vencer o plano de estudos de minha disciplina ou optar por enfatizar aquelas informações que darão subsídios ao educando para pensar criticamente e competir no mercado.
O próprio Paulo Freire afirma que deve haver rigorosidade e seriedade intelectual e acrescenta também a necessidade de haver senso crítico apurado para se estabelecer a disciplina intelectual necessária para “se fazer perguntas ao que se lê, ao que está escrito, ao livro, ao texto”(1).
Não compactuo com todas as informações manipuladas e tendenciosas emitidas na matéria de Veja, mas não posso deixar de ficar contente com o debate que tenho visto surgir daí.
Revoltados e ofendidos, professores têm se reunido para discutir a reportagem e nessas discussões a ferida tem sido aberta. A prática docente em nosso país, bem como a importância ou falta dela que se dá ao ensino por parte dos pais, a desinformação de muitos docentes quanto à atualização de temas importantes que tratam em aula, a supervalorização das metodologias e práticas pedagógicas em detrimento do conhecimento a ser adquirido pelos alunos, entre outros, têm levado nossa educação à bancarrota.
A matéria de Veja traz o comentário de Cláudio de Moura Castro, colunista da revista, que afirma ser importante uma crise profunda na educação brasileira, pois só isso poderá salvá-la. Para que não cheguemos a tanto, urge a decência dos educadores colocarmos a mão na consciência e deixarmos nossa máscara de intelectuais-sabem-tudo de lado. Precisamos de muito mais do que temos oferecido, precisamos deixar de lado a hipocrisia de achar que está tudo bem quando na verdade nossos alunos saem das salas de aula despreparados, semi-analfabetos e sem entenderem direito o que, na verdade, fazem durante tantas horas na escola.
Pena o debate ter sido iniciado por meio de uma matéria tendenciosa, capitalista e mercadológica, mas isso só foi possível porque deixamos a brecha.

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(1) FREIRE, Paulo. SHOR, Ian. Medo e ousadia. 11 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

Um comentário:

Levi Nauter disse...

A Revita vai no senso comum. Alerta para uma realidade que está posta. Nossos alunos, pelo menos em sua maioria, não gosta de ler e os poucos que gostam não entendem o que leram. Mas isso não é problema só do professor. Há uma série de outras implicações.Os dependentes do mercado (a Veja é uma) só pode fazer matéria assim, para, causando alvoroço, vernder mais. Ela carece continuar na boca do povo. Li até um protesto do SINEPE sobre isso. De novo, bom para a Revista. Acho que à revelia de reportagens como essa, o professor deve retomar Freire contextualizando-o, porém. Deve ler com mais ressalvas os Hernandez, Zabala, Perrenoud e tantos outros. Infelizmente a brasileirada não lê criticamente. Por isso é tão comum optar-se pelos modismos "habilidades e competências". Enfim, é uma falação que geralmente se desgruda da prática.
Sem contar que o salário de um professor é de fome. Parece-me um absurdo que o camarada precise trabalhar manhã, tarde e noite para poder ter um salário mais ou menos.

Nossa educação tem sido de DESESPERANÇA. Não tenho muitas esperanças. Ou se trata dela político-partidariamente ou mercadologicamente. Ambos deploráveis.Salve-se que puder ou souber.

De minha parte, tão logo possa pretendo dela sair.

Abraços,

Levi Nauter.