quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Uma ervilha na formatura

Dia desses, participando de uma formatura de cursos técnicos, tive a estranha e constrangedora sensação de que não ando sendo a professora que sempre pensei ser. E quando isso acontece com alguém exigente e perfeccionista, o colapso com o eu idealizado e o real é, no mínimo, catastrófico.
Dia de formatura é dia de festa, de comemoração. Os discursos vêm recheados de agradecimentos e intenções para o futuro. Mas o que ouvi foi o mais puro desabafo. Na mais ingênua das análises, os professores passaram semestres torturando os pobres alunos, impedindo-os de terem vida própria, forçando-os a realizarem trabalhos dos mais inúteis pelo puro prazer de fazer sofrer. Mas eles, os alunos, se uniram e deram o troco, fizerem provas incríveis e trabalhos excelentes e deixaram bem claro que as cópias foram inevitáveis. E estavam ali, se formando, no mais popular português, na maior demonstração de deboche para com o trabalho que realizamos.
Observando até aqui, dá para começar a chorar de pena dos professores. Profissionais dedicados, interessados no bem maior dos alunos, tentando sempre ensiná-los para que estes sejam pessoas melhores, profissionais melhores. Mas não sei quanto aos outros, eu me senti péssima. Não pelo discurso em si, pela falta de formalidade ou pela inadequação lingüística, mas pelas palavras e o que, na verdade, me disseram.
Se alunos, no dia de sua formatura, utilizam o discurso para dizer o quanto lutaram para passarem pela inutilidade de seus estudos, isso é preocupante. Se os trabalhos pareceram apenas formas de demonstrar o quanto um professor pode exigir, mas não a preparação para o trabalho, está na hora de revisarmos o que pedimos, o que exigimos e, se forem realmente necessários, deixar isso bem claro com demonstrações práticas.
Se posso resumir como me senti é dizendo que uma ervilha é mais feliz. Me perguntei o tempo todo que tipo de aluno estamos formando, que tipo de profissional está chegando ao mercado de trabalho? Como estou contribuindo para que pessoas adultas, com família, com preocupações as mais diversas sintam que o estudo é necessário, que as atividades na escola são pertinentes e só os ajudarão a serem mais competitivos e merecedores de um olhar diferenciado no momento de pleitearem uma vaga de trabalho ou a promoção nas empresas em que já colaboram?
Olhando para aquelas pessoas, não vi alunos simplesmente demonstrando seu desagrado com o sistema educacional que nós, educadores, proporcionamos, mas vi a mim, ao tipo de professora que luto para não ser.
Se alunos se manifestam frustrados e descontentes com o que aprenderam, talvez seja pela ineficiência do que e/ou do como ensinamos. Se alguns conteúdos que aparecem em minha lista e meus planos me soam idiotas, como exigir dos alunos que os considerem úteis? Creio estarmos deixando de lado nosso objetivo maior: proporcionar ambiente e conhecimentos para o aprendizado de habilidades visando à competência do educando para o mercado de trabalho, dentro da área oferecida pelo curso e que estas palavras dizem muito mais do que na realidade oferecemos.
Geralmente, participo das formaturas, gosto de estar junto daqueles que ajudei a formar e espero não ouvir mais aquele tipo de discurso, espero ser capaz de modificar minha prática continuamente, de revê-la pelo olhar do outro e de me auto-avaliar constantemente. Espero contribuir de forma positiva e não ver minhas exigências acadêmicas postas em xeque pela inutilidade que representam, mas transformadoras pela pertinência e inovação que evidenciam e contribuem para o real aperfeiçoamento daquele que senta em nossas classes noite após noite.
Normal os professores exigirem, esperarem comprometimento e colaboração com as tarefas propostas. Mas não devemos nos esquecer que os alunos também exigem, que também cobram e que são inteligentes, astutos e críticos. Sempre digo a eles que não aceitem tudo que lhes é oferecido, que analisem os discursos e suas intenções, que ponderem a respeito das idéias difundidas pelo sistema e que não engulam aquilo que lhes pareça inútil e disso posso me orgulhar: eles deixaram bem claro que não engoliram.

Um comentário:

Anônimo disse...

É, Ane.
Forma-se, atualmente e sabe-se lá há quanto e por quanto tempo, gerações de brasileiros que são micro-especialistas e macro-ignorantes. Estes, por suas vez, enquanto "elite" pensante do país, formarão ainda outros mais deficientes que eles próprios.
Se não formos capazes, em nosso trabalho de formiguinha, de apresentar novas possibilidades e novos horizontes, onde o saber técnico participe de um saber mais amplo, mais abrangente e interdepentende, teremos fracassado, ainda que tenhamos seguido o roteiro.
Que Deus te dê sempre muita criatividade, ânimo, profundidade+simplicidade!
Um beijo!