quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Ética: palavrinha sem sentido

Todos sabem que mudanças são necessárias, por menores que sejam. Sugeri-las é fácil. Começá-las tem lá seus percalços, mas concluí-las é um grande problema.
Dia desses fui inventar de sugerir (ah, se arrependimento matasse!) umas alterações em um material de orientação. Na minha visão, nada mais do que formatar normas, mas, para outras pessoas envolvidas no projeto, havia muito assunto para ser discutido, coisa para três a quatro reuniões, questionar desde o motivo para as alterações até o que deveria ser alterado.
Trabalho nunca me assustou, então, fui pronta para a primeira reunião. Após o anúncio de que não poderíamos fazer muito nesse encontro por falta de tempo, o material que levei para discutirmos foi instantaneamente ignorado. Um cronograma foi elaborado, sem minha participação, das reuniões posteriores e deu-se início a um dos maiores exemplos de falta de ética que já presenciei.
Falar de alguém, profissionalmente, sem a pessoa ter a oportunidade de se defender por não estar presente é, para mim, conspiração. Ouvi calada, me roendo por dentro, mas calada.
Não estou acostumada a esse tipo de situação. Me calei pelo simples motivo de não saber o que dizer, o que fazer, como agir. Me calei e essa atitude está me pesando na consciência. Alguns podem dizer que fiz a coisa certa. Ficar quieta nessas horas é o melhor que se tem a fazer. Pode até ser, a lógica corrobora essa idéia. Mas eu, como indivíduo, educada com a máxima de que ética e verdade estão acima de qualquer interesse pessoal, fiquei arrasada.
Sei que o mundo é assim. Sei que quem menos corre, voa; sei que ética é palavra sem sentido para muitos; sei que pisar nos outros para mostrar serviço é mais fácil do que se empenhar em fazer o melhor. Sei que a excelência para alguns é relevar as fraquezas e brechas dos outros, mas eu não estou acostumada com esse mundo. Sempre que me vejo frente a ele, tremo, porque estou frente a um inimigo pouco conhecido, não sei bem quais são suas armas, nem seus argumentos, mas sei seus objetivos.
Não sou, e luto para continuar não sendo, conivente com a injustiça, nem com a falta de ética, muito menos com a mediocridade.
Espero ter a chance de me redimir, de não me calar quando outra situação dessas surgir. Sei que não será a última vez que presenciarei a tentativa de “assassinato” da competência de outro. Mas sei que as experiências nos ajudam a criarmos nossos escudos e a afiarmos nossas lanças. Como diz uma música da mexicana Julieta Venegas: “Hace bien para pasar, memorizarlo. Cuando llegue otra vez, reconoceré, no olvidaré. Aprendo de mis pasos, entiendo en mi caminar; aprendo con lo que fui, aprendo con lo que sé.”.

3 comentários:

Levi Nauter disse...

Eu sempre fui um fã do Paulo Freire, não porque cai em concurso público, mas sim pela vivência dele registrada em suas obras. Ele falava com 'experiência feita'.

Em Medo e Ousadia, que conheces bem, ele já alertava para essas questões. Assim é a política: um jogo de interesses. Essa tentativa de quebrar o outro de maneira baixa também foi tema de Freud que dizia ser nosso instinto. Sem contar que "ética" é palavra que também sofre com a história, ou seja, é mutante. O que hoje é anti-ético, um dia não o era.

Na minha opinião, o prossisional da educação - em alguns momentos - deverá ser frio, calculista e racional. Terá de pensar: faço isso e continuo trabalhando? Ou faço isso e perco meu emprego? Perdê-lo agora é uma boa? O que acarretará perdê-lo? Perdendo, conseguirei outro no mesmo patamar financeiro e logo?
Isso é duro, sei. Mas a vida é assim.
No meu trabalho em que sou concursado posso dizer tudo o que penso. Onde tenho um contrato, contenho-me. E faço isso porque ninguém paga minhas contas.

Busco dar meu melhor, faço força para isso. Assim é que durmo bem à noite e minha consciência fica tranqüila.

Abraços,

Levi Nauter

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ABAIXO UM TRECHINHO DO QUE PENSAVA PAULO SOBRE O EXERCÍCIO DE ORIENTAR


As relações entre orientador e orientando, mais do que estritamente intelectuais, devem ser afetivas, respeitosas, capazes de criar, um clima de mútua confiança que estimula em lugar de inibir a produção do orientando. p. 216

O papel do orientador é viabilizar variadas fontes de informação em torno da temática do orientando, chamar sua atenção para este ou aquele documento mais raro, é estimular e mediar encontros do orientando com outros intelectuais do mesmo campo ou de campo afim a seu interesse científico. p. 216

O papel do orientador, obviamente, numa perspectiva democrática, não é o de, apropriando-se do orientando, escolher por ele o assunto da dissertação, seu título e ainda impor-lhe o estilo, o número de páginas a escrever, a linha político-ideológica do trabalho e a extensão das citações. p. 217

O que não apenas pode mas deve é, de maneira comprometida, apaixonada mesmo, se convencido de equívoco ou de erro do orientando, chamá-lo à compreensão de seu desvio para que ele, o orientando, assumindo-o, o supere.
Há casos, porém, em que não se trata propriamente de erro, mas de divergência de interpretação. Não vejo por que devam coincidir sempre orientador e orientando. O que o mestrando ou doutorando precisa revelar à Academia não é que pensa tal qual o orientador, mas que ousa pensar com independência, não importa que, às vezes, se equivocando ou errando. p. 217

Levi Nauter disse...

Perdoe os erros de português. É a correria.

Levi

Anônimo disse...

Magnífico, espetacular não existe palavras para descrever o que senti ao ler este texto.

Você e a melhor orientadora que já conheci desculpem-me os outros, (as), mas não tem comparação você simplesmente é a melhor.
Bjssssssssssss
Atenciosamente,
Suzan Borba