segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Crônica do desespero

Se você, mesmo que por um ínfimo instante, já pensou que seu tempo neste mundo estava com prazo de validade vencido, leia esse texto até o fim, pois é sobre nós.

Hoje é segunda-feira e só isso já valeria meu mau humor, mas ele me deu uma rasteira, e se avolumou de uma forma quase palpável. Os que se aproximaram de mim, logo deram um jeito de se afastar, eu estava, de verdade, insuportável.

Levantei mais cedo que de costume, pois quebraria minha rotina com a necessidade de ir de ônibus até o trabalho. Nada contra o coletivo, ou as pessoas que dele fazem uso, mas eu odeio andar de ônibus. Antigamente, amava. Era uma viagem tranquila, em que pessoas conversavam sobre seu dia a dia, outros, os intimistas como eu, entravam em outra dimensão com seus fones de ouvido ou suas leituras recolhidas, mesmo que de um jornaleco qualquer. Era normal andar de ônibus, ir ao trabalho, à faculdade, para ver uma amiga. Hoje, é a sucursal do inferno. Em dia de chuva, então, tem-se a impressão de que não se chegará ao destino, pois será necessário descer antes.

Enquanto esperava no ponto, com a umidade a me empapar os cabelos e encharcar até os ossos, me acalmava com a ideia de fugir um pouco da responsabilidade de dirigir. Será legal, pensei. Vou poder ler em paz. Que vã esperança. Ao entrar no verdinho, me deparo, assim de cara, com um casal ouvindo uma música de péssimo gosto, sem fone nenhum, na caixa mesmo, para todos os passageiros apreciarem aquela mistura de vulgaridade e bateção de nada.

Sentei-me perto da janela, longe da balada improvisada, e tentei, juro, me acalmar. Peguei meu Carpinejar e comecei a ler. Consegui me afastar daquele mundo dos sem-respeito-pelo-ouvido-alheio e entendi e me estendi por algumas crônicas.

Cheguei ao trabalho e tudo o que ouvi desde então foi: mas que cara, tu estás com uma cara, mas o que tu tens?, tu precisas tomar alguma coisa, isso vai te fazer mal. Não, não vai, já está fazendo. Afastei-me o mais que pude, trabalhei normalmente, ser professora nos exigi fingir, participei de uma reunião curta, fui para o ponto de ônibus a fim de voltar para casa. Resolvi pagar mais, descer um pouco mais longe de minha casa só para ter a certeza de mais privacidade. Fui de lotação.

No caminho até em casa, muitos pensamentos, inclusive o de que está na minha hora mesmo de ir para outro mundo, porque esse me parece estranho demais, mundo em que as pessoas não reconhecem mais limites, não entendem que há momentos em que se deve respeitar o silêncio, ou pelo menos, abafar os seus próprios sons, pois eles são particulares, não são para os ouvidos de todo o mundo, simplesmente porque pode o todo mundo não suportar o seu som, o seu gosto pelo seu som, mas não tenho como dar o salto mortal, pois amo demais a vida que tenho, mesmo precisando pegar o ônibus toda a segunda-feira para meu marido poder ir à faculdade com segurança. Além disso, não tenho coragem, tenho é curiosidade para saber o que acontecerá daqui a pouco. Não quero perder essa novela tão boa que é a da minha vida e como cortar os pulsos é muito dolorido, não tenho arma, nem veneno e minha casa só tem térreo, sigo vivendo e esperando para ver que outra doideira o mundo vai inventar. No final das contas, no caminho para casa depois de descer do ônibus, passei na padaria, comprei um pacote de meu salgadinho preferido e uma caixa de Bis e estou aqui a me compensar, afinal, venci mais um dia que havia dado a entender que terminaria horrível, mas está repleto de sabor, ao meu som, sem incomodar ninguém.

Desespero mesmo só o que continuo tendo pelo meu carro. Que chegue logo a terça-feira.


Um comentário:

Clarissa Selbach disse...

Lindo texto, Ane! Parabéns!