terça-feira, 24 de outubro de 2006

Somos livres para consumir?

Falar sobre consumismo, e não consumo, torna-se difícil para algumas pessoas. Sempre que se faz tentativas para explorar o tema de forma crítica e racional, alguém no grupo sente-se compelido a não ouvir.
Isso acontece devido a nossa relação com o mercado do consumismo que serve muito mais para satisfazer desejos do que necessidades. Quem não se sente tentado a realizar uma compra, adquirir um produto pelo simples prazer de comprar? O quanto de nossas frustrações e tristezas não estão diretamente ligadas ao fator “compra”, seja por não ter condições de realizá-la, seja pela insatisfação de não alcançar o padrão desejado?
Mesmo esse padrão, tão apregoado pela mídia, é questionável. Se pararmos para analisar de forma objetiva, poderemos concluir que muitos de nossos atos de consumo estão mais voltados para aplacar medos e ansiedades provenientes do moderno estilo de vida que temos. Pois quem dita as regras desse mundo capitalista? Quem é o personagem central dessa saga? Ou melhor, quem é a marionete apta a desenvolver cada vez mais valores de vida somente ligados ao poder, ao ter?
Se vivo em uma sociedade cuja principal função é consumir, como eu me enquadro nela? Comprar se tornou muito mais ato de exploração do que de vontade. Exploração da parte das grandes corporações em gastam milhões em propagandas e se deleitam em perceber o quanto elas têm efeito sobre o consumidor. Exploração das elites que cada vez mais aumentam as diferenças sociais pelo fato de que alguns têm muito e podem ter, enquanto outros passam a vida trabalhando e lutando para sentirem que têm e que podem e nesse processo acabam em dívidas e sonhos destruídos.
Nossa sociedade já não pode viver mais sem analisar e valorizar as pessoas pelo que têm e não pelo que são. O mercado e suas relações de trabalho, saúde, meio ambiente e política, caminha, ou melhor, corre em direção a separar cada vez mais a humanidade em classes, não tanto com preconceito racial e religioso, e muito mais em função do poder de compra.
Se todos parassem para analisar o que os move no momento da compra, se a necessidade ou a busca por uma satisfação passageira e dissoluta, poderíamos estar no caminho de uma sociedade consciente quanto aos seus atos. Consumir é preciso, estar preparado para um consumo ético e inteligente é mais do que uma necessidade aparente, é uma questão de sobrevivência nesse mundo que não mede esforços para impor seus ideais de felicidade e padrão de vida.
Então, no momento em que formos nos decidir por uma marca ou outra, por um produto ou outro, façamo-nos a pergunta: estou comprando livremente? O quanto desse meu ato de vontade está sendo boicotado pela mídia e seu poder de persuasão? Sou realmente livre?

Um comentário:

Levi Nauter disse...

Bom tema! Fico contente em ler essa discussão que parte da ação cotidiana para a reflexão da palavra, portanto, mais filosófico-intelectual. Toda a reflexão é intelectual e parte sempre do nível mais superficial para o profundo. É também ideológica por perpassar idéias e cosmovisões.
Pois, possivelmente Freud diria que vivemos numa sociedade neurótica que representa, via consumismo, nossas tentativas de sanar problemas/rituais mais profundos. Alguém que defenda o anti-capitalismo talvez dissesse que a resolução está com os trabalhadores, isto equivaleria dizer que estes unindo-se poderiam mudar o quadro. Os capitalistas, por sua vez, proporiam o que? Nada, quem sabe? O consumismo parece ser ânsia por capital, de uma lado, e ânsia por alguma sustentação, de outro. Nesse ínterim, nem a religião fica de fora. O que vemos nos evangelhos pentecostais e neopentecostais se não consumismo? Não é à toa que o que mais cresce no país, em termos de fé/crença, são denominações - prometendo mundos e fundos às pessoas. E para isso, não poupam a criatividade: é encosto aqui, maldição ali; dança pra cá, teatro acolá... E tudo precisa dar resultado. Há aproximadamente dois anos, o ministério internacional Ekklesia fechou as portas no Brasil alegando não ter lucro (ministério assim tem mais é que fechar mesmo!).
Está na hora de não fazer a acepção, a polarização, a antagonização igreja x sociedade. A igreja (na amplitude de suas significações) não pode separar vida cristã de vida cotidiana. Por que insisto na religião? Porque os cristãos somam 74% da população brasileira (inclui-se os católicos, claro, o maio contingente). Que reflexo tem a presença cristã na sociedade? Que discussão ela provoca quanto a essa temática? Parece ser irrevogável o capitalismo. Há previsões de que ocorra um colapso na Terra por volta de 2050 (estudo Living Planet 2006) e o capitalismo, a meu ver, tem grande parcela de culpa nessa história. Mas quem mais polui o meio ambiente? Ironicamente um país dito cristão - talvez por isso tenta reinar absoluto na terra. Essa discussão tem de entrar na pauta do consumismo.
Saindo do plano cristão e indo para o do humano, penso que também é extremamente humana nossa propensão a idolatrar. Assim, admiramos esse ou aquele, e passamos a, quase inconscientemente, imitá-lo. A tradução disso se dá através do uso parafernálico daquilo que nos aproxima do considerado ideal. A partir daí começamos a ter pseudonecessidades. O que fazemos a partir dessas descobertas? Mudanças. Com uma consciência: a situação não mudará na nossa geração.
A globalização é inevitável e talvez não deva ser divinizada nem demonizada, assim como o poder da mídia em invadir nossas 'privacidades'. De outra parte, não preciso dar lugar a essa invasão midiática, tampouco aceitar acriticamente tudo que vem na esteira da interação global.
Notemos, ainda, que o que discutimos aqui ainda foram palavras que merecem e precisam de aprofundamentos de prédica e prática. Quero dizer que precisamos estudar, construir a criticidade no maior número de pessoas possíveis. Infelizmente as perspectivas são aterradoras, quando 70% das pessoas que sabem ler não entendem o que leram. Temos muito trabalho. Todas as pessoas que possuem outras pessoas sob suas lideranças têm uma tarefa: conscientização que, tudo indica, vem pela educação. Para uma luz no fim do túnel começar acender, sugiro que leiamos O sentido dos sentidos, de Francisco Duarte-Junior.
Que Deus nos ajude. E nós também.