sábado, 15 de novembro de 2008

Lançando o salva-vidas

Daqui desse momento
do meu olhar pra fora
o mundo é só miragem
(Lenine, Dudu Falcão)

Ando um pouco infrutífera. No que diz respeito à leitura, à escrita e ao pensamento crítico, estou em fase de seca. Contando os dias para chegarem as férias, minha única preocupação tem sido com o salva-vidas que devo elaborar para lançar a alunos em recuperação.
Entre uma prova e um boletim de desempenho, consegui esses minutos para uma refrescada na alma. Ouvindo o novo cd do Lenine, Labiata, impossível não querer parar com a rotina.
Fim de ano é loucura para quem é professor, para quem é aluno a situação piora. Passou-se um ano letivo inteiro e eles vão continuar mais um pouquinho, até 22 de dezembro, realizando provas e mais provas na tentativa de não reprovarem e não pegarem progressão (em escolas que a tem).
Não penso em outra coisa a não ser em como darei conta de tanta nota, de tanta prova, de tanta correção. Números, é nisso a que resumimos nossos alunos. Somas e décimos que podem enviá-los para umas férias felizes e descansadas ou atrasar suas vidas em mais um ano.
Desde que comecei a trabalhar nessa área, venho desenvolvendo critérios para avaliar da melhor forma e mais justa possível o nível de aprendizado dos que ocupam as classes em minhas aulas. Corrijo as provas sem olhar o nome do vivente. Nota alta, fico feliz; nota baixa, olho de quem é e pondero sobre a justiça de ser daquele número antes de pô-lo no alto da folha.
Aluno não é só um nome na lista de chamada. Não é só soma de pontos, nem dinheiro entrando para pagar meu salário. Aluno é, antes de tudo, gente. Está cheio de outras vidas nele mesmo. Tem casa, família, amigos, namorada ou namorado, festa, trabalho, carro quebrado, roupa amassada, filho chorando.
Confesso que já tentei ser mais firme com os tais critérios. Não consigo. Alguns vão achar isso um defeito, outros vão aplaudir. Mas avalio cada um de um jeito. E nessa aparente desorganização tenho conseguido ajudar pessoas a alcançarem objetivos maiores do que o de permanecer mais um semestre ou ano em minhas aulas.
Quando inicio um novo período, o que mais quero é ver essa gente encontrar seu caminho. Em se tratando de adultos, muitos deles estão ali, de volta à escola, no intuito de recuperarem um tempo, uma fase, que por uma razão só deles, não foi vivida. Então, terminado o ciclo, estando de acordo com as regras do sistema, é só correr para o abraço. Venceram, agora é continuar os estudos, o trabalho, a família, a vida e já ficarei feliz se lembrarem meu nome depois de me darem adeus.
Com os adolescentes é um pouquinho diferente. Pega-se mais pesado. Eles não têm nada para recuperar, só para viver. Então, ao trabalho e rezem para eu ser boazinha.
Mas o que me deixa feliz mesmo, realizada com o que faço, é vê-los, todos, irem avante. Não pararem no tempo, não se deixarem vencer, não retrocederem na própria história.
Por isso, ando sem tempo para escrever, para ler, para parar. Porque estou em missão. Estou buscando estratégias, métodos e conceitos para avaliá-los, para ver deles o resultado de tantos meses de estudo, para poder lhes dar um grande abraço no final do ano e sabê-los felizes com seus resultados. Sem maquiagem, sem demagogia, sem facilitações, só justiça.

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi, querida!
Admiro teu cuidado e tua dedicação ao avaliar teus alunos sem reduzi-los a números, sem fingir que todos têm as mesmas condições e as mesmas histórias. Isso é ousado e duas vezes mais trabalhoso. E te respeito por isso.
Como sabes, não tenho experiência como professora. Minha experiência se reduz ao outro lado da moeda: sempre fui aluna. Portanto, é desde este lado que te digo: uma das melhores coisas que poderia ter me acontecido no final do primeiro grau foi ter repetido de ano. Na época eu achei injusto, afinal, eram só uns mínimos décimos na média final em matemática. Mas no ano seguinte já percebi que havia sido a melhor coisa: finalmente entendi as coisas que não entravam em minha cabeça, amadureci, me pacifiquei. Compreendi que estava dando um passo para trás para poder dar dois para a frente: meu segundo grau foi excelente, pois cheguei mais firme, mais bem preparada, e isso fez toda a diferença para a minha auto-estima, por incrível que pareça.
Por isso tudo te digo: nem sempre repetir é ficar pra trás, é retroceder. Repetir pode ser uma segunda chance para fazer tudo melhor, para crescer e se fortalecer. ;)
Um beijão!

Anônimo disse...

Oi Ane, passei p/ dar uma bisbilhotada. Que bom existir professoras como vc, faz falta em nossas escolas profissionais assim. Me recuso a aceitar que uma prova sirva p/ avaliar uma criatura, acredito que tem muitos fatores além da prova que servem de instrumento avaliativo, sempre tive a preocupação quando procurei escola p/ meus filhos em conhecer o processo de avaliação e nunca optei por escolas que davam notas, hoje vejo que escolhi bem, uma criança ou um jovem não é apenas um número. Outra bonca que tenho é em relação a reprovação, os professores (a maioria acredito) não tem noção do estrago que uma reprovação pode fazer na vida de aluno que se esforçou, correu atrás, participou e no final não conseguiu... é claro que é diferente daquele que levou o ano inteiro "na flauta" e decidiu correr atrás no final do ano, esse tem mais é que repetir mesmo p/ aprender a se responsabilizar. Hoje conheci uma escola que prá mim está se encaminhando p/ a ideal: não possui quadro-negro, não tem uma sala de aula fixa, tem salas de português, física, matemática, história, geografia... todas equipadas com todos os recursos necessários, a cada período os alunos se dirigem p/ as salas adequadas, e o melhor cada turma tem no máximo 15 alunos, pelo que vi a média é de 10 alunos em cada sala. O professor consegue um olhar individualizado, diferente de uma turma com 35, 40 alunos. Fiquei encantada.

Perdoe-me, como sempre acabei escrevendo demais. Um abraço.