segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A Búzios que não é a da novela

Nessas férias de verão, eu e meu marido resolvemos conhecer um pouquinho do Rio de Janeiro. Para tanto, planejamos cinco dias em Búzios e três dias no Rio.
Quando pensamos em Búzios, ainda não havia a loucura disseminada pela novela global Viver a Vida. Conforme os dias iam passando, íamos tomando conhecimento da fama da cidade. Após uma viagem de duas horas de avião até o aeroporto Galeão, tomamos um ônibus na rodoviária e rodamos por três horas, atravessando a Ponte Rio-Niterói e seguindo por estradas sem acostamento e com altíssimos pedágios (sim, são mais altos que os cobrados aqui). Descemos no lugar indicado por nosso anfitrião e chegamos ao hostel baratinho e muito limpo no qual havíamos reservado nosso quarto.
Já tinha escutado a respeito dos hosteles, de como podemos nos sentir em casa e é verdade. A experiência foi a melhor possível. Conhecemos pessoas excelentes, argentinos que vivem há muito tempo em nosso país, que vieram fugindo da repressão da ditadura de lá e que encontraram aqui, num país também vivendo seus dias negros, paz para construírem suas famílias e trabalharem por elas.
À noite, Búzios ferve. A pequena Rua das Pedras se enche de turistas brasileiros e de vários outros países: são cubanos, colombianos, peruanos, argentinos, uruguaios, suecos, italianos, enfim, um mar de gente de várias nações. Ouvir a mistura de línguas pelas ruas é bem interessante. Lembra as histórias sobre a Torre de Babel.
Dá para se ir por toda península de ônibus ou de van (as famosas lotações), essas são mais baratas e bem mais rápidas, além de passarem a todo momento. Por isso, tivemos a oportunidade, caminhando muito, de conhecer dez praias maravilhosas e mais Cabo Frio e Arraial do Cabo.
As praias são limpas, organizadas e suas águas geladérrimas. Mas não deixei de me aventurar no cristalino em que dá para ver os peixinhos nadando entre nossas pernas. Até aí tudo maravilhoso. Tudo um paraíso. Porém, Búzios não estava preparada para o sucesso repentino.
Conversando com seus moradores, percebe-se a revolta em relação às promessas eleitorais feitas pelo atual prefeito. Promessas de emprego para o povo local, que continua tendo que ir a Cabo Frio (cidade bem mais próspera e desenvolvida), de diminuição da exploração de alugueis de cadeiras e guarda-sóis na beira das praias por barracas sem o mínimo de saneamento e higiene, de organização das escolas, de oferta de cursos técnicos e profissionalizantes.
O trânsito é uma loucura. Como a cidade só tem em média vinte mil habitantes, não há semáforos, nem calçadas amplas, muito menos controle de tráfego, simplesmente porque Búzios nunca precisou de nada disso. Mas agora, de uma hora para outra, a cidade encheu, fervilhou, e quem vai até lá, na maioria das vezes, busca o encanto dos restaurantes a la Maradona, de pousadas a la Helena e de uma vida de sonhos emoldurada pela TV.
Mas enquanto a rede hoteleira marca seus domínios com novos empreendimentos e condomínios residenciais de verão são construídos e ofertados aos montes, o povo agoniza sem emprego, sem educação de qualidade, vendo seu santuário de sossego ser transformado num receptáculo de dinheiro com destino externo.
Os donos de pequenas pousadas e hosteles vibram com seus estabelecimentos lotados, mas são realistas, não sabem até quando isso tudo vai durar, talvez mais um mês ou dois, dependendo dos dias de sol que ainda restam e da ilusão de um Viver a Vida que só existe na novela.
Que Búzios continue linda, cheia de graça, de luz e de gente que adora ser de lá e que só quer trabalhar, estudar e ter uma vida digna e sossegada. Assim queremos todos nós brasileiros, não importa de onde somos nem onde vivemos.

Um comentário:

Denise Quintão disse...

Oi, Ane. Teu texto me produziu associações. Acabei de chegar da "Ilha da Magia", uma dos nomes atribuídos à bela Florianópolis. Ou quem sabe "Ilha da Fantasia", já que encanta muita gente que acaba tomando a terrinha por morada e/ou explorando seus negócios. Aliás, atrai muitos gaúchos, que geralmente se dão bem pelo dinamismo e empreendedorismo, acabando por ocupar atividades de liderança (ou mesmo filhotes encantados pelas ondas e pela vida mais leve e com liberdade). Mas os "manezinhos", assim chamados os moradores "nativos" da ilha, são vistos pelos "de fora" como ingênuos, burros, bons para serem mandados. Talvez até porque sejam menos estressados que nós e alguns valores sejam ainda preservados. Parece que a regra colonizador/colonizado segue se instituindo ao longo de nossa história nos mais diferentes lugares... Só para ter uma idéia, isto provoca importantes conflitos. No surf, por exemplo, existe a questão do localismo, onde os forasteiros são literalmente explulsos do mar e podem sofrer violência caso os locais da ilha se sintam ameaçados/desrespeitados. Isso faz com que os "de fora" que chegam e queiram ocupar algum lugar neste meio social aprendam a respeitar os espaços e a ter humildade (uma bela aprendizagem!). Mas, de modo geral, quem é mesmo humilde é a população local...

Adorei ter assistido alguns programas locais de entrevistas na TV (não pela RBS, pois lá não é diferente daqui, eles seguem tomando conta com a mídia global), onde foi possível ouvir depoimentos que representam as memórias, a história viva de seus moradores. Ou conversar com as rendeiras, com artistas (escultores, pintores). Aí, a gente olha a ilha diferente. Ou qualquer lugar que a gente se permita ultrapassar as fronteiras do instituído.

Um abraço,
Denise