terça-feira, 28 de dezembro de 2010

24 de dezembro e meus urubus

Noite de 24 de dezembro. Casa limpinha e cheirosa, quitutes preparados para esperar a família. Mesa arrumada com as cores do natal: verde, vermelho, dourado. Um arzinho gostoso entrava pelas janelas abertas, o perfume do jasmim no jardim deixava tudo com ar bucólico. Às 20h a turma começou a chegar. Primeiro a mana Cáren, com o marido e a filha de oito anos, conversas animadas na sala, enquanto aguardávamos o resto do pessoal. Então... o boicote: faltou energia!
O grito, tanto nosso, quanto da vizinhança, foi de total assombro. Como? Na noite do Natal? Pela minha cabeça, só vinham lembranças de toda a comida no refrigerador, dos sorvetes no freezer, do churrasco que seria assado na churrasqueira elétrica (sim, faríamos churrasco, nada de peru), dos ventiladores para amainar o calor, das luzes de natal no hibisco do jardim, no meu pendente novo na sala...
Depois de dez minutos, comecei a ficar nervosa. Será que teria tanto trabalho para comer no escuro? Ou pior, não comer? O que seriam de minhas enfeitadas saladas, meus apetitosos aperitivos, e os doces, a sala de frutas? Corri ao telefone e liguei para a empresa de energia. Ocupado. Redisquei. Ocupado novamente. Deixei na rediscagem automática. Ocupado, ocupado, ocupado. Ah, havia a alternativa do sms. Enviei. Na mensagem de retorno, o conserto poderia ser feito dentro de 30 a 90 minutos. Bom, menos mal. Então, uma hora dessas a luz voltaria e poderíamos fazer nosso churrasco e comer aquele monte de comidas e olhar uns nas caras dos outros enquanto conversávamos.
Mas depois de 40 minutos e já com o jantar pra lá de atrasado, dois urubus enormes pousaram em meus ombros e fiquei num amargor só.
Ok, me boicotei. Eu mesma estraguei minha noite de natal. Enquanto todos se divertiam e davam muitas gargalhadas pela situação, iluminados por três velas vermelhas e uma lanterna de lâmpadas de led, enquanto comiam dos petiscos que eu havia servido e bebiam tranquilos, eu não entendia como, por Deus, podia ser real não ter luz na noite de natal. Todos tentavam me animar, já faziam planos para comer o que eu havia preparado: começariam pela sobremesa, já que o sorvete corria o risco de derreter, depois as saladas e, quando viesse a energia, faríamos o churrasco e o comeríamos. Claro que era tudo uma fantasia, todos sabiam que eu “jamais” mudaria a ordem estabelecida para a ceia de natal. Ordem esta elegida por mim, planejada por mim, organizada por mim e que seria, nem que fosse às 2h da madrugada, executada por mim.
Lá pelas 22h30min, ouvi o grito geral da galera. Uma luzinha fraca surgia nas lâmpadas. Era ela voltando, cheia de medo, devagar. A luz iluminou a casa, a rua, os jardins de meu bairro e trouxe nova vida a várias e várias ceias de natal.
Saímos correndo a acender o fogo na churrasqueira, espetar a carne, os salsichões. Fui fazer o arroz, por as saladas na mesa, apagar as velas. Via meu lindo pendente iluminado, as luzinhas pisca-piscando anunciando que a noite estava salva. Durante os próximos minutos não parei um segundo. E em plena meia-noite, enquanto os foguetes espocavam no céu e minha família se abraçava, desejando feliz natal e tudo de bom, eu, a anfitriã, estava presa entre panelas e pratos de carne assada. Passei rápida por todos, gritei um feliz natal sem nem prestar atenção e concluí os preparativos.
Olhei todos sentados, comendo, felizes, num clima que eu não entendia porque não havia me permitido cultivá-lo. Minhas costas doíam, eu estava cansada, chateada e achava que tudo dera errado, que nada havia saído como planejado. E me esquecera do principal: o motivo de toda aquela preparação. Não só o unir a família, mas o comemorar um dia especial, o nascimento de Cristo. E mesmo sem saber a data correta em que Ele nasceu, o fato é que nasceu e seja dia 25 de dezembro ou meados de março, como afirmam alguns historiadores, o que reside no sentar à mesa para ceiar com a família, o que nos faz dar presentes aos que amamos e queremos bem é que Cristo veio, nos deu vida em abundância e nos enche de dádivas todos os dias.
Meus urubus custaram a me deixar em paz, relaxar e aproveitar a noite. Já havia passado a ocasião para os discursos, para a oração em família (sempre conduzida por meu pai), mas naquele momento em que senti minha alma mais leve, agradeci por tudo, inclusive pelo escuro de algumas horas atrás, porque entendo o que significa Jesus ter nascido, cumprido sua missão. Sua vida e seu sacrifico é o que nos trazem luz.
Como sempre, estou aprendendo, inclusive a ser menos Marta (aquela que, ao invés de dar um tempo para os afazeres domésticos e se deleitar com as palavras de Jesus, ficava torrando a paciência de sua irmã para ajudá-la). Foi uma experiência cansativa, estressante, atormentadora ver todos os seus planos, tão bem arquitetados, irem por água abaixo. Fui dormir às 6h da manhã, depois de todos terem retornado a suas casas. Fiquei pensando que natal fora aquele. Na mesma noite eu já havia dito, chateada, que era o pior natal pelo qual passara. Mas será mesmo? Ou eu não tinha aprendido a lição? Natal sempre será maravilhoso, porque tenho Cristo e minha família, que como ninguém, entende meus ataques de perfeccionismo.

Amo vocês, família. Obrigada por cada um ter vindo até nossa casa para iluminar nossa noite e encher de alegria nosso lar.

E obrigada AESSUL, por nos deixar sem energia por algumas horas e contribuir para mais uma lição em minha vida.

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